Graças à produção do precioso “ouro verde”, que inclusive também sugeriu a denominação do periódico, que por alguns anos circulou na cidade, no início da década de 50 Campos Altos experimentou vertiginoso crescimento. Segundo o serviço de estatística, a jovem e recém emancipada cidade teria sido uma das três, que mais cresceram em Minas Gerais.
Como naquela época não havia estradas pavimentadas, para facilitar os deslocamentos e negócios, adquiriam aeronaves monomotores, entre outros, os seguintes cafeicultores e empresários rurais locais: Osvaldo Araújo (Cessna), Irmãos Alvarenga (Piper PA), Irmãos Abreu, Frederico Franco e Raimundo Mendes (Cessna 140).
No início da década de 40, a pedido do Dr. Plínio de Abreu, foi cedido pelo Sr. Orlando Lemos, que também auxiliou na construção do campo de aviação local, um desnivelado espigão, cuja extensão menor no sentido longitudinal é um pouco mais elevada que a maior parte plana.
Além da idealização e projeto, as obras de construção do campo de aviação foram custeadas e conduzidas pelo engenheiro Dr. Plínio de Abreu, que ainda cedeu e transportou em dois caminhões, os trabalhadores rurais da Fazenda Capoeira Funda.
Os serviços de desmatamento e terraplanagem da pista do campo de aviação foram feitos com ferramentas manuais e por burros de carga, cedidos pelo Sr. Orlando.
Pelas intrínsecas características físicas do local, independentemente do sentido do vento, desde a época da construção da pista, foi definido que as cabeceiras de aterrissagem e a oposta, de decolagem seriam, respectivamente, nos extremos de menor e maior altitude.
O inteligente expediente proporcionou maior aproveitamento da curta e desnivelada pista, pois na aterrisagem a subida do aclive ajuda a reduzir, enquanto na decolagem, a descida a elevar a velocidade dos aviões.
De acordo com edição 94 de 1960 da Revista Silhueta, teria sido também o Sr. José Leite de Alvarenga um dos pioneiros do movimento aviatório em Campos Altos e da construção do campo de pouso local.
MUNDINHO DO AVIÃO
O Sr. Raimundo Mendes ou Mundinho, proveniente de Carmo do Paranaíba, ainda jovem transferiu domicilio para o município de São Gotardo, onde na região dos Gorduras, iniciou as atividades de cafeicultor, aviador, comerciante e político. O mesmo foi um dos fundadores do diretório local da UDN, Vereador, Presidente da Câmara, Prefeito de São Gotardo (1949 a 50), advogado, suplente de deputado estadual e diretor de empresas estatais mineiras em BH.
No final da década de 40, graças ao lucro obtido pela súbita elevação do preço da saca de café, que de cento e quarenta passou para mil cruzeiros em duas sequentes safras de boa produção, o Sr. Mundinho adquiriu um avião Cessna 140.
O campo de aviação foi improvisado no terreiro de café da fazenda, cuja extensão inicial foi acrescida em apenas 200 metros.
A aquisição do avião foi muito útil e facilitou sobremaneira a vida, trabalho e os deslocamentos do Sr. Mundinho, especialmente entre a Fazenda e São Gotardo no período das chuvas. De carro de boi ou em burros de carga equipados com alforges, o tempo de viagem era de até um dia, ao passo que de avião o mesmo trajeto era feito pelo arrojado piloto Mundinho em apenas três minutos e meio.
Além de exímio piloto, político fino, cidadão polido, hábil orador e redator, o Sr. Mundinho também era uma excelente comerciante, pelo que, posteriormente, transferiu residência para Campos Altos e trabalhou como comprador de café, inclusive para o Sr. Osvaldo Araújo.
Especialmente para exercício da atividade laboral, o Sr. Mundinho sempre se deslocava no próprio avião e retornava a Campos Altos às vezes no início da noite, quando não mais era possível visualizar a pista do campo de aviação.
Para buscar o marido piloto e quando necessário balizar com lampiões a querosene os limites da pista para viabilizar a aterrissagem noturna, a Sra. Maria Souza, esposa do Sr. Mundinho, sempre se deslocava até o campo de aviação, quando ouvia o característico ruído ou visualizava o avião a sobrevoar a cidade.
Certa feita, próximo do campo de aviação, enquanto olhava para cima para certificar que o avião era mesmo o do marido, a referida senhora se distraiu, perdeu o controle da direção do veículo, que subiu no barranco e capotou.
A motorista felizmente não se machucou, mas por algum tempo esteve presa sem conseguir sair da camionete, que ficou com as rodas para cima. A maioria dos lampiões de balizamento, que levava na carroceria do veículo, foram danificados.
Poderá ser imaginado a apreensão e o temor do Sr. Mundinho, que do alto tudo assistiu, mas mesmo assim, com muita habilidade, conseguiu pousar o avião sem o balizamento.
Nas eleições municipais de 1.954 foram candidatos a prefeito de Campos Altos os Srs. Wilson Falco pelo PSD, vencedor da eleição, Juca Nery pela UDN e Dr. Rubens Ribeiro pelo PTB.
Assim como o amigo, patrão e correligionário, Osvaldo Araújo, o Mundinho também era fervoroso partidário da UDN e da candidatura do Juca Nery. Durante a campanha eleitoral, com alto falantes afixados nas asas do avião, enquanto planava sobre a cidade, o Sr. Mundinho fazia muita propaganda política do candidato Juca Nery.
Ainda na mesma campanha eleitoral, o Sr. Mundinho foi acusado de praticar crime eleitoral, por ter afixado propaganda da UDN nos postes da Cia. Força e Luz Geraldo Guimarães, cujo proprietário de mesmo nome, era também o Presidente do partido político PSD.
Na audiência de instrução e julgamento, o MM. Juiz da Comarca indagou como as partes haviam se deslocado de Campos Altos até Ibiá, pois devido às fortes chuvas, a estrada e a ferrovia estavam interditadas.
Pelas ambas respostas, que havia sido via aérea, na mesma aeronave e que o Sr. Mundinho dera carona para o Sr. Geraldo Guimarães, o julgador sorriu descansado, exclamou e em tom impositivo sugeriu:
“Então não existe tanta rivalidade entre as partes, riscos de se chegar as vias de fato e ocorrer até mortes, conforme foi noticiado e consta nos autos. Vamos acabar com esta contenda, evitar mais atritos na campanha eleitoral e voltar para a casa em paz”. A sugestão do meritíssimo foi acatada pelas partes, o processo encerrado e assim como na viagem de ida, ambos voltaram juntos no mesmo avião para Campos Altos.
AVIÃO DC-3 FEZ POUSO DE EMERGENCIA EM CAMPOS ALTOS
No final da década de 50, dado à parada de um e sobreaquecimento do outro motor, o comandante Matos e copiloto Cleber do DC-3 da Real Aerovias, que fazia alinha BH/Uberaba, efetuaram arriscado pouso de emergência na pista de Campos Altos.
A aeronave de porte médio, que já havia perdido a altitude e a estabilidade, passou logo acima da rede de alta tensão da Cia. Força e Luz Geraldo Guimarães e iniciou a aterrissagem pela cabeceira oposta, usualmente utilizada apenas para decolagem.
A notícia circulou rapidamente pela cidade e muitos se deslocaram até o campo de aviação para ver de perto o “grande avião”, que por algum tempo permaneceu com as portas fechadas. Quando as mesmas foram abertas, por ter visualizado a pequena multidão em volta do avião, a assustada aeromoça indagou em tom jocoso:
Vocês nunca virão avião? Sim, avião já tínhamos visto muitas vezes, mas atolado no barro é a primeira vez, respondeu também com ironia o Sr. Leonardo Guimaraes Neto. Os Srs. Geraldo Guimarães e/ou Caiçara ainda teriam pontuado, que as pessoas estavam no local para auxiliar os sobreviventes, resgate e contagem dos possíveis mortos no acidente.
Os passageiros do avião foram transportados para Araxá na jardineira do Sr. Abílio de Almeida. Enquanto aguardavam a vinda de um novo motor, o comandante e o copiloto foram hospedados na residência do casal Nilda Caporali / Talma Franco e os demais componentes da tripulação no Hotel Central.
O então prefeito de Campos Altos, Sr. Wilson Falco, prestou e coordenou a devida assistência aos passageiros e a tripulação do avião, disponibilizou a estrutura e o caminhão da prefeitura, que buscou o motor em Ibiá.
Como a curta pista de Campos Altos estava parcialmente obstruída pelo DC-3 avariado, o piloto da outra aeronave, que trouxe o novo motor e o mecânico de São Paulo, houve por bem não arriscar e decidiu aterrissar em Ibiá.
A aterrissagem, porém, também apresentou problemas, pois a pista de terra do campo de aviação de Ibiá não suportou o peso, cedeu e foi necessário muito trabalho para desatolar as rodas do avião.
Na década de 50 a Real Aerovias era a maior empresa aérea brasileira, a primeira a fazer linhas internacionais e a sétima no mundo em número de aviões. Além de outras aeronaves a empresa possuía mais de cem aviões DC-3.
NOVO CAMPO DE AVIAÇÃO NO CHAPADÃO
Devido à enorme movimentação aérea em Campos Altos e limitações do campo de aviação local, para iniciar a terraplanagem de um novo, o Prefeito José Bueno de Paula (1959/62) desmatou o cerrado no altiplano do chapadão próximo ao antigo Posto Xodó, atual Posto Campos Altos. Pelas constantes correntes ventos laterais e impossibilidade técnica de alterar o sentido de posição da pista, o projeto não teria sido aprovado pelo órgão competente e enfim cancelado.
No segundo mandato (2.005/.2008) do prefeito Geraldo Barbosa Leão Jr. também foi aventado a possibilidade de construção do novo aeroporto nas proximidades do antigo Posto Xodó. Entre outras ações, teria sido obtido a autorização e/ou cessão do terreno pelo Sr. Afonso Maria Resende. Em razão das mesmas correntes laterais de vento, no entanto, o projeto não teria sido novamente aprovado pela aeronáutica e seguido adiante.
CAÇADAS AÉREAS NA SERRA DA CANASTRA
Até a década de 1970 não havia proibições legais e tampouco a consciência, que em seguida passou as ser gradativamente exercida, sobre a importância e necessidade de preservação da natureza. Por conseguinte, combinado com abundancia de animais, as caçadas para subsistência e esportivas eram usualmente praticadas.
Em Campos Altos, Leônidas Macedo Filho foi um dos melhores, mais assíduos e eficazes caçadores, especialmente na caça de campo (Codornas e Perdizes).
Nesta modalidade o cachorro perdigueiro detecta pelo faro, segue o deslocamento e ao se aproximar da caça, subitamente estaciona e se mantém estático em estilosa rígida posição, conhecida como “amarrar”.
Assim que é autorizado pelo caçador (vamos), o cachorro avança sobre a caça, que pelo extinto de defesa e para se afastar do perigo e levanta voo.
Após, em média 40 metros, porém, quando deixa de bater asas e começa a planar, se torna o alvo do caçador, que dispara a cartucheira para tentar abatê-la.
A convite do caçador Leônidas Macedo Filho, o Sr. Inácio Alvarenga também praticou muitas caçadas de campo, na maioria das vezes, acompanhado pelo convidante. Entre outros locais, ambos fizeram juntos muitas produtivas caçadas nos campos da Serra da Canastra, que era fácil e rapidamente acessada via aérea.
Antes de aterrissar o monomotor Piper PA na referida serra, para constatar a inexistência de pedras, madeiras ou buracos, o audacioso e hábil piloto Inácio Alvarenga, sobrevoava a baixa altitude e em ambos sentidos longitudinais, o altiplano do espigão, que considerava mais adequado.
Além dos sofisticados e imponentes caçadores, respectivas tralhas e espingardas, o valoroso e obediente cachorro perdigueiro também era passageiro do avião.
VASP AVENTOU POSSIBILIDADE DE FAZER ESCALA EM CAMPOS ALTOS
Provavelmente pelo elevado número de pessoas de Campos Altos, que frequentemente se deslocavam via aérea, conforme nota publicada na edição 7 de 14/04/1957 do Jornal Ouro Verde, a VASP pretendia inaugurar em breve uma nova linha entre São Paulo e BH, com escalas em Uberaba e Campos Altos. E para que a referida pretensão se efetivasse, foi pontuado que seria necessário cooperação da Prefeitura de Campos Altos, que terminaria a construção do aeroporto local.
BRINQUEDO DA ESTRÊLA – AEROPORTO DE CAMPOS ALTOS
Na década de 60, para fazer companhia e proporcionar a oportunidade de passarem férias escolares na fazenda, os amigos dos filhos eram costumeiramente trazidos de BH pela D. Nilda Caporali e Sr. Talma Franco Cordeiro.
Entre outros convidados do casal esteve em Campos Altos o Sr. Marco Antônio Maia Drumond, que mais tarde faria brilhante carreira como Maestro da Orquestra do Sesi e naquela época era chamado simplesmente Marquinhos pelos amigos de geração.
O Marquinhos trazia na bagagem um instrutivo e interessante brinquedo em forma de tabuleiro intitulado “Vamos a Brasília”. O jogo consistia em proporcionar o desafio de qual dos participantes conseguia chegar primeiro na viagem, via aérea, ferroviária ou rodoviária, do Rio de Janeiro até a recém inaugurada nova capital federal Brasília.
No tabuleiro do jogo as cidades estão dispostas, mais ou menos, nas mesmas posições geográficas, que se localizam e Campos Altos é uma das que dispunham de duas opções (aérea e ferroviária) de meios de transporte para simular a viajem.
Naquela época a opção rodoviária ainda não estava disponível em Campos Altos, pois as Brs-31 (atual 262) e 354 ainda estavam em construção e somente foram concluídas, respectivamente em 15/12/1969 e no início de 72.
Por indispor de aeroporto regulamentado é curioso e desconhecida a razão pela qual no brinquedo Campos Altos constar como um dos sete pontos e a única cidade pequena entre outras seis grandes do trajeto aéreo do Rio de Janeiro a Brasília. (Rio de Janeiro, Juiz de Fora, BH, Campos Altos, Uberaba, Goiânia e Brasília).
A hipótese mais plausível é que a Estrela tenha idealizado e fabricado o jogo pela localização estratégica, por estar na rota direta e/ou por ter obtido informações sobre as intenções de se construir grande aeroporto em Campos Altos.
Marcelo Macedo, Técnico Eletrônico, Bacharel em Direito, empresário e pesquisador.