Política
13h30 06 Julho 2025
Atualizada em 06/07/2025 às 13h30

Em acenos a Rússia e Irã, Lula critica Otan e 'instrumentalização' da AIEA

Por Felipe Frazão, ENVIADO ESPECIAL Fonte: Estadão Conteúdo

Em acenos políticos a Rússia e Irã, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou neste domingo, dia 6, diretamente duas instituições globais na abertura da Cúpula do Brics, no rio. O petista mirou na Aliança do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a quem acusou de "instrumentalização".

O presidente atacou recente decisão dos países da Otan que, pressionados por Donald Trump, acordaram elevar para um patamar de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) os respectivos investimentos em defesa. Antes, o patamar era de 2%, embora nem todos o cumprissem, o que motivou reclamações de Trump para que contribuíssem mais e até ameaças de deixar o grupo.

"A recente decisão da Otan alimenta a corrida armamentista. É mais fácil destinar 5% do PIB para gastos militares do que alocar os 0,7% prometidos para Assistência Oficial ao Desenvolvimento", disse Lula. "Isso evidencia que os recursos para implementar a Agenda 2030 existem, mas não estão disponíveis por falta de prioridade política. É sempre mais fácil investir na guerra do que na paz."

Na última reunião, o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, bajulou Donald Trump, comparando-o a um "papai" que intervinha em uma briga de estudantes, ao atuar na mediação de conflitos.

Os EUA são a principal potência miltiar e econômica da Otan, aliança ocidental que o presidente russo Vladimir Putin acusa de se expandir para o Leste e cercar seu país - uma das alegações dele para invadir a Ucrânia, em 2022.

Desde o início da guerra, cujo estopim foi a invasão militar russa, Lula foi duramente criticado por dizer mais de uma vez que os Estados Unidos e a Europa - países que foram a maior parte das forças da Otan - incentivavam e prolongavam a batalha ao fornecer equipamentos e dinheiro para a Ucrânia.

Lula compara ataque contra irã à invasão do Iraque: intervenções "ilegais"

Ao se referir aos bombardeios de Israel e dos EUA na guerra contra o Irã, o petista invocou um argumento de Teerã, segundo o qual a agência da ONU que supervisiona o programa nuclear iraniano estaria a serviço do Ocidente. O Irã rompeu temporariamente a colaboração com a AIEA.

O Irã declarou que os ataques aéreos às instalações nucleares de Fordow, Natanz e Isfahan foram realizados "sob a sombra da indiferença e até mesmo com o apoio da Agência Internacional de Energia Atômica".

Em maio, a agência reportou que o Irã enriquecia urânio em ritmo acelerado a 60%, mais próximo dos 90% necessários para fabricação de uma bomba atômica. Israel e EUA dizem que regime dos aiatolás no Irã patrocina o terrorismo e usaram o argumento da possível obtenção de armas para realizar a série de bombardeios.

Lula fez uma comparação com a invasão do Iraque, quando os EUA derrubaram o regime de Saddam Hussein com o argumento de que ele escondia armas químicas de destruição em massa, o que não seria comprovado depois.

"Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais", disse Lula. "Assim como ocorreu no passado com a Organização para a Proibição de Armas Químicas, a instrumentalização dos trabalhos da Agência Internacional de Energia Atômica coloca em jogo a reputação de um órgão fundamental para a paz", disse o petista.

Catástrofe nuclear

Lula afirmou que "o temor de uma catástrofe nuclear voltou ao cotidiano" e que violações da integridade territorial - uma referência aos bombardeios - "solapam os esforços de não-proliferação de armas atômicas".

"Sem amparo no direito internacional, o fracasso das ações no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria tende a se repetir de forma ainda mais grave. Suas consequências para a estabilidade do Oriente Médio e Norte da África, em especial no Sahel, foram desastrosas e até hoje são sentidas. No vazio dessas crises não-solucionadas, o terrorismo encontrou terreno fértil. A ideologia do ódio não pode ser associada a nenhuma religião ou nacionalidade", disse o presidente.

O discurso de Lula no Brics - sigla que representa bloco de países formados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - ecoou embates com decisões de Donald Trump, embora sem citações. O petista falou em ameçadas aos "regimes de clima e comércio" e "investida sem precedentes" ao sistema de saúde global e exigências absurdas sobre patentes que restringem acesso a medicamentos. Isso depois do tarifaço de Trump e de retirar os EUA da OMS (Organização Mundial da Saúde) e do Acordo de Paris.

Também contraria esforços anteriores do governo brasileiro, especialmente da diplomacia, para contestar a visão de que o Brics virou instrumento de política da China e da Rússia e tem viés antiocidental.

Lula afirmou ainda que o Brics é um "herdeiro" direto do movimento de países não-alinhados, que remonta à conferência de Bandung, e hoje reúne representatividade no Sul Global para "prevenir e mediar conflitos". "Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque", disse Lula. "O direito internacional se tornou letra morta, juntamente com a solução pacífica de controvérsias."

O presidente cobrou novamente a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para que inclua mais países como membros permanentes - atualmente são apenas cinco: EUA, China, França, Rússia e Reino Unido.

Lula reiterou que órgão vive uma "paralisia" e perdeu credibilidade - "ultimamente sequer é consultado antes do início de ações bélicas", provocou. "É mais do que uma questão de Justiça, é garantir a própria sobrevivência da ONU. Adiar esse processo torna o mundo mais instável e perigoso", afirmou Lula.

O petista discursou na abertura da Cúpula do Brics, durante a sessão de debates focada nas guerras e disputas geopolíticas, sob o tema "Paz e Segurança e Reforma da Governança Global". As falas dos demais chefes de Estado, de governo e de delegação não foram transmitidas ao vivo.

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