O movimento de Tarcísio de Freitas (Republicanos) com o objetivo de se apresentar como moderador de uma saída negociada para o tarifaço anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, expôs um antagonismo mais acentuado do governador paulista com o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Tarcísio se reuniu nesta terça-feira, 15, com empresários e informou que pretende investir numa negociação paralela, buscando o apoio de governadores e senadores dos EUA para reverter a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros naquele país. Eduardo, que tem vocalizado os interesses do núcleo duro do bolsonarismo nesse caso, acusou o governador de "subserviência servil às elites".
A reunião no Palácio dos Bandeirantes ocorreu de forma simultânea ao encontro promovido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) com representantes da indústria brasileira, em Brasília. A reunião do governador contou com a presença do encarregado de Negócios da embaixada americana no Brasil, Gabriel Escobar.
Três pessoas presentes relataram que Tarcísio pretende conversar com governantes de Estados como Flórida e Nova York para mostrar que a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros pode elevar os preços para os consumidores americanos.
Segundo um secretário de Tarcísio, ouvido reservadamente, canais de diálogo com Estados americanos existem há muito tempo. Ele relatou que governos estaduais brasileiros mantêm uma relação "paradiplomática" com os entes subnacionais dos Estados Unidos, disse que a relação diplomática cabe aos governos nacionais e minimizou a crítica de aliados do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de que Tarcísio estaria usurpando uma competência federal.
Ajuste de rota
Na reunião, o governador paulista não fez críticas ao governo Lula e falou na importância da cooperação e diálogo neste momento, um ajuste de rota de Tarcísio, que inicialmente responsabilizou a gestão petista pela tarifa. Também foi discutida no encontro a possibilidade de os próprios empresários mostrarem aos seus parceiros americanos os impactos negativos da taxação.
Um empresário que participou da reunião e preferiu não se identificar descreveu a fala do governador como "genérica" e afirmou que os demais presentes defenderam uma saída diplomática para reduzir a tarifa. Para ele, o encontro, na verdade, teve como principal objetivo ajudar Tarcísio a desfazer a imagem de que politizou o debate.
Entre os presentes estavam o ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) Paulo Skaf, o diretor administrativo da Indusparquet, José Antônio Baggio, além de representantes da Embraer, Usiminas, Cosan e de outras 13 empresas ou associações de setores como café, máquinas, carne, citricultura, energia, papel e celulose, madeira, transporte de cargas e setor sucroalcooleiro.
Em Brasília, estavam entre os participantes nomes como o atual presidente da Fiesp, Josué Gomes, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, e o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto.
A modulação do discurso e das ações de Tarcísio - indicando que a prioridade é evitar danos à economia brasileira e a São Paulo, principal Estado exportador para os EUA - desencadeou uma crítica explícita e pública de Eduardo Bolsonaro. O deputado licenciado tem adotado uma postura diferente: defende que somente a aprovação de uma anistia "ampla, geral e irrestrita", que beneficiaria seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é capaz de reverter a decisão de Trump.
'Regime de exceção'
O governador havia afirmado em uma entrevista, no sábado passado, 12, que a priorização da anistia é uma questão de "ponto de vista" e que, como chefe do Executivo paulista, precisa defender os interesses das empresas do Estado. Os dois são cotados como candidatos a presidente da República em 2026 no lugar do inelegível Bolsonaro.
"Prezado governador Tarcísio, se você estivesse olhando para qualquer parte da nossa indústria ou comércio, estaria defendendo o fim do regime de exceção que irá destruir a economia brasileira e nossas liberdades. Mas como, para você, a subserviência servil às elites é sinônimo de defender os interesses nacionais, não espero que entenda", escreveu Eduardo Bolsonaro no X.
O tarifaço de Trump gerou desgastes para Tarcísio, que desde quando assumiu o governo estadual vinha tentando se equilibrar entre uma oposição mais ao centro, vinculada a valores republicanos, e o alinhamento ao bolsonarismo.
Um levantamento da AP Exata mostra que o governador paulista foi mais atacado pela própria direita do que pela esquerda após se reunir com o encarregado de Negócios da embaixada dos Estados Unidos, na semana passada, em Brasília. Entre as menções negativas feitas por perfis com viés ideológico, 62,1% partiram da direita e do bolsonarismo e 37,9% vieram da esquerda.
O estudo analisou cerca de 86 mil publicações no X e no Instagram, entre os dias 11 e 13 de julho, que mencionavam o governador paulista, com um recorte específico sobre os termos "embaixada", "Escobar", "diplomata", "Trump", "taxa" e "taxar".
A análise aponta que a repercussão da reunião foi majoritariamente negativa para Tarcísio nas redes. Das 86 mil postagens com referências ao encontro, 46,2% tinham conteúdo crítico ao governador. No entanto, apesar dos ataques coordenados vindos dos dois espectros políticos, o levantamento indica que Tarcísio manteve um índice relevante de apoio: 37,9% das menções foram favoráveis, enquanto 15,9% foram neutras.
No campo bolsonarista, a consultoria identificou que as críticas foram impulsionadas por perfis alinhados às narrativas de Eduardo Bolsonaro, além de apoiadores do movimento Maga (Make America Great Again), que usaram hashtags como #TarcisioTraidor e frases como "Tarcísio traiu o agro".
Em entrevista ao Poder360, Bolsonaro voltou a culpar Lula pela taxação em 50% dos produtos brasileiros. O ex-presidente afirmou que o petista "provoca o tempo todo" Trump. "Se eu fosse presidente da República, o acordo com os Estados Unidos já teria sido feito aos moldes da Argentina, em que 80% dos produtos não são taxados. E por que aqui está sendo taxado em 50%? Porque ele (Lula) provoca o tempo todo", disse.
Ontem, o governo federal subiu o tom contra o governo Trump e afirmou "deplorar" o que chamou de "manifestações indevidas" de autoridades dos Estados Unidos.
Intromissão
Em paralelo à tentativa de negociar um recuo de Trump, o Ministério das Relações Exteriores rebateu declarações do Departamento de Estado, desde Washington, reproduzidas pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil. O perfil oficial no X da embaixada americana republicou na noite de anteontem um posicionamento do Departamento de Estado, com reiteradas críticas ao processo penal contra Bolsonaro, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Para o governo brasileiro, as declarações "caracterizam nova intromissão indevida e inaceitável em assuntos de responsabilidade do Poder Judiciário brasileiro". "Tais manifestações não condizem com os 200 anos da relação de respeito e amizade entre os dois países", disse o Itamaraty, em nota. (COLABORARAM FELIPE FRAZÃO, KARINA FERREIRA E MARIA MAGNABOSCO)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.