Em 16 de julho de 1950, o Uruguai conquistou seu bicampeonato da Copa do Mundo ao derrotar o Brasil de virada por 2 a 1. Os gols de Schiaffino e Ghiggia silenciaram as mais de 170 mil pessoas presentes no Maracanã, estádio construído especialmente para o torneio no Rio de Janeiro. Um dos capítulos mais amargos da história do futebol nacional, o Maracanazo completa 75 anos nesta quarta-feira.
O episódio representou um trauma profundo para o torcedor brasileiro, que só seria parcialmente amenizado com as conquistas das Copas de 1958, 1962 e 1970. Pelé conta que prometeu vencer um Mundial pela seleção após ver seu pai chorar com a derrota para o Uruguai em 1950.
"Atuando com grande entusiasmo e espírito de luta, a representação uruguaia venceu o IV Campeonato Mundial de Futebol", destacou o Estadão no dia seguinte ao Maracanazo.
"Embora favorecido pelo empate e jogando no Rio de Janeiro, com toda a torcida a incentivá-lo, o quadro brasileiro não teve ânimo suficiente para enfrentar os momentos difíceis da importante partida, sendo derrotado por 2 a 1. Barbosa e Bigode foram os principais causadores do revés - duas bolas perfeitamente defensáveis foram às redes brasileiras, enquanto o médio-esquerdo não teve recursos suficientes para se desobrigar de sua missão", escreveu o jornal na ocasião.
O peso da derrota recaiu, em especial, sobre os ombros do goleiro Barbosa. Durante muito tempo, goleiros negros carregaram o estigma de que não seriam confiáveis. Bigode, também negro, foi outro jogador apontado como responsável pelo fracasso.
Na reedição do livro O Negro no Futebol Brasileiro (1964), em que Mário Filho aborda o futebol como catalisador de questões raciais no país, o jornalista que dá nome ao Maracanã cita a intensificação do racismo sob o pretexto da derrota em 1950. "Três pretos foram escolhidos como bodes expiatórios: Barbosa, Juvenal e Bigode", escreveu.
Alcides Ghiggia, autor do gol da vitória uruguaia, morreu em 2015, aos 88 anos. Seu nome, no entanto, segue presente na cultura brasileira. No último domingo, ele foi tema da pergunta de R$ 1 milhão do quadro Quem Quer Ser Um Milionário, do programa Caldeirão, da TV Globo. A participante sabia seu sobrenome, mas não acertou o primeiro nome.
Maracanazo do século 21, derrota por 7 a 1 trouxe consequências ao futebol nacional
A tristeza pela derrota para a França na final da Copa do Mundo de 1998 havia sido, até então, o momento mais próximo do sentimento vivido em 1950. No entanto, o século 21 reservou para uma nova geração um Maracanazo para chamar de seu: a goleada por 7 a 1 para a Alemanha na semifinal do Mundial de 2014, no Mineirão.
Se o trauma de 1950 foi capaz de mudar até a cor do uniforme da seleção - de branco para o amarelo - e precedeu o surgimento de craques como Pelé e Garrincha, o 7 a 1 teve um impacto ainda mais profundo. A derrota escancarou um atraso do futebol brasileiro em relação às evoluções táticas do futebol mundial.
Após o penta conquistado em 2002, na terceira final consecutiva da seleção, a Europa passou por uma revolução tática, liderada pelo conceito de jogo posicional. Criado pelo técnico holandês Rinus Michels, aperfeiçoado por Johan Cruyff e consagrado por Pep Guardiola, o modelo divide o campo em zonas ocupadas por jogadores que oferecem constantemente linhas de passe. Assim, a equipe ganha superioridade numérica no campo adversário e avança por meio de triangulações.
O sucesso do jogo posicional - que garantiu os títulos de 2010 e 2014 para Espanha e Alemanha, respectivamente - virou referência global. O modelo valoriza jogadores com inteligência tática mais do que apenas habilidade técnica. Guardiola, então técnico do Bayern de Munique, influenciou diretamente a seleção alemã que atropelou o Brasil.
Por outro lado, o estilo é criticado por, muitas vezes, sufocar a criatividade individual. Craques brasileiros como Garrincha, Ronaldinho e Neymar fizeram fama justamente pelo improviso. No entanto, tornou-se comum ver jogadores sendo moldados desde as categorias de base para atender exigências táticas, em detrimento da liberdade criativa.
"Aquele jogador que a gente identificava lá atrás, como por exemplo o Paulo Henrique Ganso, possivelmente hoje não seria aprovado em uma avaliação", afirma Paulo Roca, especialista na captação de atletas. "Entendo que na formação é preciso incentivar o improviso, o drible, para que isso não seja tirado do menino. Às vezes, a necessidade de vencer competições na base se confunde com o processo de formação - e não deveria ser assim."
Outro ponto de virada no futebol brasileiro após o 7 a 1 foi a valorização de técnicos estrangeiros. O sucesso dos portugueses Jorge Jesus, no Flamengo, e Abel Ferreira, no Palmeiras, abriu caminho para outros treinadores europeus trilharem trajetórias vitoriosas na liga brasileira. A mudança chegou à seleção: Carlo Ancelotti, multicampeão italiano, foi contratado para ser a "bala de prata" na busca pelo hexa, após um ciclo frustrante e turbulento na CBF.