Justiça
17h50 29 Maio 2025
Atualizada em 29/05/2025 às 17h50

'Amigo mesmo', 'tá na mão': os diálogos com lobista que levaram a afastamento de juiz de MT

Por Rayanderson Guerra Fonte: Estadão Conteúdo

Diálogos entre o juiz Ivan Lúcio Amarante, da comarca de Vila Rica, em Mato Grosso, e o advogado Roberto Zampieri, o "lobista dos tribunais", foram determinantes para o afastamento do magistrado, alvo da nova fase da Operação Sisamnes, deflagrada nesta quinta-feira, 29, pela Polícia Federal.

Até a pubicação deste texto, o Estadão buscou contato com o juiz via assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, mas sem sucesso. O espaço segue aberto.

O afastamento de Amarante de suas funções no fórum de Vila Rica - município com 20 mil habitantes situado a 1320 quilômetros de Cuiabá-, foi decretado pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida também foi adotada na tarde de terça, 27, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que renovou o afastamento em vigor desde outubro de 2024.

Zanin e o corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, destacam mensagens trocadas entre o juiz e o "lobista dos tribunais"

Os diálogos indicam uma relação muito próxima de Amarante com Zampieri. O juiz era "subserviente" ao lobista, avaliam os investigadores.

As mensagens foram descobertas por acaso, depois que o lobista foi assassinado a tiros na porta de seu escritório de advocacia em Cuiabá, em dezembro de 2023. O celular do advogado foi deixado na cena do crime.

Nesta quarta, 28, a Polícia Federal colocou nas ruas a sétima fase da Operação Sisamnes - juiz corrupto, segundo a mitologia persa - e prendeu cinco integrantes do "Comando 4", grupo sob suspeita de assassinatos por encomenda. Uma execução atribuída ao "C4" foi a de Zampieri, ao preço de R$ 40 mil, segundo confissão do pistoleiro que emboscou o lobista.

Amizade íntima

Em busca de pistas sobre o assassinato, a Polícia Civil se deparou com diálogos sobre a venda de decisões e sentenças. As conversas atingiram também desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e até gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça.

São muitas as mensagens que a Operação Sisamnes recuperou do celular de Zampieri. Para os investigadores, ficou claro que havia uma "amizade íntima" entre magistrado e advogado.

A um interlocutor, em junho de 2022, Roberto Zampieri ofereceu: "Se você precisar de algo com o Dr. Ivan, lá de Vila Rica, me fala. Ele é muito meu amigo, amigo mesmo. E resolve."

Em uma ocasião, em agosto de 2023, o juiz aconselhou o advogado. Eles combinaram estratégias sobre processos. "Dá uma olhadinha com os assessores do senhor, se encontra uma outra saída além dessa que minha assessoria encontrou", sugeriu Amarante.

A submissão do juiz ao lobista ficou expressa em várias comunicações, segundo os investigadores. "Vou ver se resolvo isso aí ainda hoje", reporta o magistrado em outro diálogo.

O juiz está afastado das funções desde outubro de 2024, por ordem do Conselho Nacional de Justiça, que na última terça, 27, abriu um processo para investigar Amarante no âmbito administrativo disciplinar que pode culminar em sua aposentadoria compulsória, ou seja, o afastamento definitivo da carreira - com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

Na oitava fase da Operação Sisamnes, deflagrada nesta quinta, 29, o ministro Zanin emitiu uma nova ordem de afastamento do juiz de Vila Rica e decretou o bloqueio de R$ 30 milhões de Amarante e de outros investigados sob suspeita de lavagem de dinheiro oriundo de propinas em suposto esquema de venda de sentenças na Comarca.

O CNJ constatou que havia uma "proximidade incomum, atendimento pelas vias não convencionais e indevida ingerência de advogado na atividade jurisdicional do magistrado".

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, "com frequência, Zampieri pautava a conduta do juiz, indicando os pedidos que deveriam ser ou não acolhidos e as teses jurídicas que deveriam ser por ele adotadas".

'Ansioso'

"O contexto dos diálogos, a frequência das interações e os termos utilizados deram corpo a um panorama abrangente de efetiva influência do causídico na atividade jurisdicional do magistrado, muito possivelmente, em razão do pagamento de vantagens indevidas para a prolação de decisões judiciais", apontou o ministro Mauro Campbell Marques, corregedor nacional do Judiciário, ao defender a renovação do afastamento do juiz.

Em uma conversa, em outubro de 2023, Amarante orienta Zampieri a burlar as diretrizes ordinárias de distribuição de petições para que ele próprio pudesse analisar e atender aos pedidos do advogado, negados anteriormente por um juiz plantonista. "O resto deixa comigo, kkkk".

Em seguida, Amarante encaminha a decisão, nos termos combinados, e ironiza: "Já determinei que ele mesmo reconsidere deferindo tudo, Dr!!!!....kkkkkk Tá na mão!!!".

Um diálogo específico chamou a atenção dos investigadores. O juiz insiste em encontrar o advogado e diz que está "ansioso" e "em apuros".

"Passando para avisar que não vou ter como viajar até entregar a minuta do contrato para que a pessoa possa analisar", escreveu Amarante.

Zampieri pediu para "segurar esse compromisso para segunda-feira". "Hoje estou tentando desde ao meio dia organizar isso e não estou conseguindo."

Os investigadores desconfiam que as conversas trataram da entrega de propinas.

Defesa

Em sua defesa prévia ao Conselho Nacional de Justiça, o magistrado negou interferências do advogado em suas decisões e alegou que não há provas de que tenha recebido propinas. Também afirmou que não foi identificada nenhuma movimentação financeira direta com Zampieri.

O juiz é o principal alvo da 8ª fase da Operação Sisamnes desta quinta. Os policiais federais fazem buscas em três endereços em Mato Grosso para aprofundar a investigação em relação aos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Segundo as investigações, foi identificado um esquema de lavagem montado para dissimular pagamentos milionários de propinas em troca de decisões judiciais.

Além do sequestro de bens e contas de Amarante e de outros alvos da investigação, até o limite de R$ 30 milhões, o ministro Zanin mandou recolher os passaportes de todos.

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