Política
14h00 19 Maio 2025
Atualizada em 19/05/2025 às 14h00

Mulheres 'laranjas' receberam R$ 5,4 milhões da corrupção no Tocantins, diz relatório

Por Rayssa Motta e Fausto Macedo Fonte: Estadão Conteúdo

A Polícia Civil do Tocantins afirma que uma rede de "laranjas" e empresas de fachada foi usada para distribuir o dinheiro desviado de contratos públicos na gestão do ex-governador Mauro Carlesse (2018-2022) sem deixar rastros.

O suposto esquema é investigado na Operação Via Avaritia, em curso desde 2019. A Polícia Civil atribui ao ex-governador a liderança dos desvios. Carlesse nega e diz que o inquérito tem motivação política.

Os contratos sob suspeita foram firmados com a Prime Construções, que recebeu mais de R$ 15 milhões do governo na gestão de Carlesse.

A empresa teve o sigilo bancário quebrado na investigação. A Polícia Civil identificou repasses para diversas pessoas físicas e jurídicas sem justificativa aparente.

"Indicando que as contas estavam sendo utilizadas, possivelmente, para movimentar recursos de terceiros", diz o relatório da Operação Via Avaritia.

Uma das "laranjas" seria Sandra Maria da Silva. No período investigado, ela recebeu R$ 1.771.662,54 da Prime Construções em "montantes avulsos".

Segundo a Polícia Civil, Sandra recebeu 16 parcelas do auxílio emergencial na pandemia da covid-19, "não apresentando, aparentemente, capacidade econômica compatível com os valores movimentados em sua conta".

Os investigadores concluem que os repasses foram feitos "com o fim de ocultar e dissimular a localização, disposição, movimentação e propriedade de valores provenientes dos crimes praticados pelo suposto grupo criminoso".

A Prime Construções também transferiu vultosos recursos (R$ 3.681.336,90) à empresa Dualmec, registrada em um endereço fictício em Joinville (SC), onde na verdade funciona uma pizzaria.

O CNPJ está registrado em nome de Edi Aguida Gorski. Segundo a Polícia Civil, a sócia "reside numa casa humilde", tem apenas um Ford Fiesta, ano 1998, registrado em seu nome e também foi beneficiária do auxílio emergencial na pandemia.

Os investigadores afirmam que a Dualmec foi criada no papel para que a Prime Construções "pudesse operacionalizar os contratos". Em troca, Edi e o marido, Júlio César, receberiam uma comissão em cima do "faturamento" da empresa de fachada.

"Segundo Júlio César, Francisco Morilha (gerente de obras da Prime Construções) teria lhe imposto a condição de ceder o token da conta bancária da Dualmec para que pudesse operacionalizar os contratos da Prime, ficando ajustado que receberia 3% do que a Dualmec faturasse. Nesse sentido, a Dualmec era uma empresa fictícia utilizada por Francisco Morilha para gerir as obras da Prime, numa espécie de regime de subempreita informal", apontam os delegados Romeu Fernandes de Carvalho Filho e Guilherme Rocha Martins, da Divisão Especializada de Repressão à Corrupção.

Além do ex-governador, foram implicados na investigação quatro ex-secretários de Estado, sete servidores públicos e empresários. A Polícia Civil diz ter reunido "indícios veementes" do envolvimento de Carlesse. Diante das suspeitas, o caso deve subir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem atribuição para processar autoridades com foro privilegiado mesmo após o fim do mandato.

Com a palavra, o criminalista Nabor Bulhões, que representa o ex-governador Mauro Carlesse

"O relatório da Polícia Civil do Tocantins é ilegal, abusivo e inconstitucional. A Polícia Civil não detém competência nenhuma para investigar governador durante o exercício do mandato ou mesmo após o término do mandato. O foro competente é do Superior Tribunal de Justiça. A investigação tem claramente uma conotação política. Quando se falou em uma nova candidatura de Mauro Carlesse foi instaurada essa operação. Não tive acesso a esse relatório parcial, mas afirmo com absoluta convicção e segurança que o governador Carlesse não praticou nenhum ato ilícito em sua administração. De qualquer forma, o documento não tem validade, porque, reitero, é ilegal, inconstitucional. Um abuso. Uma operação policial marcada por evidente interesse político."

Com a palavra, o empresário Marcus Emmanoel Chaves Vieira, da Prime Construções

O empresário Marcus Emmanoel Chaves Vieira, proprietário da Prime Construções Ltda, afirmou ao Estadão que não houve nenhuma irregularidade no âmbito do contrato com o governo do Tocantins. "Prestamos os serviços contratados. Nosso contrato foi auditado pelo Tribunal de Contas do Estado que apontou um dano ao erário no montante de R$ 1,37 milhão. Firmamos um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com o Tribunal e com a Secretaria de Estado da Infraestrutura."

Ao jornal, Marcus Emmanoel disse que a auditoria do TCE abordou relatórios de medição e inspeções nos locais onde os serviços foram realizados. As falhas indicadas pelos auditores resultaram na multa de R$ 1.372.707,29. "O TAC incluiu a obrigação de execução de obras na praça do Girassol e outros serviços do governo estadual, cobrindo o valor. Da nossa parte foi isso."

Marcus Emmanoel relata que a Proplan Construtora é que estava sob investigação. "Essa empresa, pertencente à filha do gerente de outro órgão, prestou um serviço pequeno para a Prime. Fizemos uma concorrência para um serviço muito específico, a gente não tinha maquinário à época, eles ganharam no menor preço. Fizemos tomada de preços com três empresas, a deles (Proplan) levou pelo menor preço. A Proplan executou aquela parte, emitiu nota fiscal, coisa de cento e poucos mil. Essa empresa estava sendo investigada. Quando a Polícia fez buscas na Proplan encontrou o nosso recibo pelo serviço que contratamos deles. Por isso, fomos envolvidos na Operação Via Avaritia. Na verdade, a Proplan é que estava sendo investigada."

"Fizemos tudo como manda o figurino", afirma. "Fomos alvos de busca e apreensão, a Polícia levou documentos e ficou nisso. Não fomos mais procurados."

O empresário rebate o trecho do relatório policial que classifica a Prime como 'empresa de fachada' com sede em uma pequena sala na periferia de Brasília. "Empreiteira não tem que ter escritório bonito, ela tem que ser avaliada por sua competência na execução de seus serviços. Não há motivo para requintes, não atendemos clientes, público externo. A Polícia não tem que achar cadeiras de couro no nosso escritório. Essa observação é a prova que não há fatos contra a Prime. Quando não se tem um argumento, vão para o genérico. Somos uma empresa idônea, apenas em 2029 fizemos R$ 30 milhões em obras para órgãos federais, estaduais e municipais. Nós tínhamos obras em todos os segmentos, várias esferas. Já fizemos obras até em Tribunal de Contas."

Ele diz que no Tocantins a Prime mantém "mais de 30 colaboradores com carteira assinada, tudo regularizado, engenheiro residente inclusive". "Em nenhum momento a Prime fugiu de suas responsabilidades, jamais nos omitimos. Quando houve a busca e apreensão em nosso endereço em Brasília, na mesma hora nosso Jurídico entrou em contato com a Polícia e nos prontificamos a depor."

Marcus Emmanoel afirma que não tem ligação com o ex-governador Mauro Carlesse; "Eu vi o governador duas vezes, pessoalmente. Amizade? Eu nem sabia como ela era. Uma vez o encontrei no lançamento do projeto da reforma da residência oficial, uma outra vez durante vistoria de obras. Nossos contratos eram sempre com a Secretaria da Infraestrutura, na ocasião dirigida pelo Renato de Assunção, depois pela Juliana Passarin. A gente tratava com a equipe técnica, com o Carioca, gestor do contrato, e com o fiscal Oscar. Nunca tratamos nada politicamente com alguém do governo."

O empresário destaca que o relatório 01/2020 do Tribunal de Contas do Estado foi elaborado por dois auditores. "Quando houve isso, a Secretaria da Infraestrutura nos chamou e avisou que estavam apontando irregularidades nos serviços. Era plena pandemia, os insumos da construção civil já tinham triplicado de preço, o contrato por si só já nem compensava para a empresa, a mão de obra a valores estratosféricos, material que se comprava por 50 foi para 120, as fábricas pararam. Entregamos à Polícia Civil os três orçamentos que fizemos, resultando na subcontratação da Proplan, a nota fiscal que emitimos e o nosso pagamento, saindo da conta da Prime para a conta da Proplan. Ora, isso é propina? Com nota fiscal? A gente fez um trabalho sério. Podem investigar."

Com a palavra, os outros citados no relatório da Polícia Civil do Tocantins

O Estadão fez contato com outros citados no extenso relatório da Polícia Civil do Tocantins, mas não obteve retorno. O espaço está aberto.

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