Na mira da Polícia Federal por suspeita de cobrar propinas para livrar empresários de fiscalizações, o auditor fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo Ricardo Catunda do Nascimento Guedes também teria vendido informações sigilosas de processos administrativos sobre empresas inspecionadas.
O Estadão busca contato com a defesa.
As suspeitas surgiram a partir de mensagens encontradas no celular de Catunda, apreendido na Operação Barão de Itararé.
As conversas no WhatsApp demonstram que o auditor interferiu no andamento de fiscalizações, levantou informações de processos conduzidos por colegas, vazou dados sigilosos de inspeções e alertou empresários sobre irregularidades.
Os irmãos Bruno D'Amico e Fernando D'Amico, empresários do setor de postos de combustíveis, seriam "clientes" do fiscal. Eles foram presos no mês passado por suspeita de vender gasolina adulterada (leia mais abaixo).
O contador Gilberto Lauriano Júnior era o interlocutor entre os empresários e o fiscal, segundo a investigação.
As conversas entre Gilberto Lauriano e Catunda demonstram que o contador usou o auditor como um informante na Secretaria da Fazenda.
"Ricardo parece atuar como uma espécie de consultor para Gilberto, repassando informações de interesse dele", diz a Polícia Federal no relatório de análise das conversas recuperadas no celular do fiscal de Rendas.
"Verifica-se que Ricardo age conversando com outros servidores sobre os processos de interesse de Gilberto e repassa informações sobre quais serão os próximos passos e documentos necessários."
Segundo os investigadores, o auditor também usou o cargo para influenciar processos a pedido do contador, dando prioridade ao andamento de licenças e homologações, por exemplo.
"Nota-se que a todo tempo Ricardo aparece repassando informações e auxiliando diretamente Gilberto com suas questões de interesse, inclusive indicando as ações a serem ou não realizadas", diz a Polícia Federal.
Em uma conversa de dezembro de 2022, Lauriano pede ao fiscal para "ver com quem está" e "se dá pra puxar" um processo para uma loja de conveniência virar posto de combustíveis. "É da sua região aí."
Em outro diálogo, de agosto de 2022, o contador informa que vai alterar um CNPJ e questiona se Catunda sabe para quem o processo seria distribuído. O fiscal responde que vai tentar "pilotar". "Eu te passo aí você segura", responde Lauriano.
O padrão se repete em outros diálogos. Em outubro de 2022, o contador encaminha o número de um processo sobre um inventário na Lapa e pergunta se o auditor tem "alguma corrida lá" e se "consegue ver alguma coisa" para ajudar.
Em outro processo, sobre a substituição de um posto de gasolina, o contador escreve: "Catunda pilotando. Já em andamento."
As conversas indicam ainda que os dois mantinham encontros frequentes para "cafés", "almoços" e "confraternizações". Essas seriam senhas para entregar propinas, segundo a Polícia Federal.
Catunda teria recebido o contador até mesmo no prédio onde trabalhava, no Butantã, em setembro de 2022.
Em julho de 2024, Catunda foi afastado das funções por ordem judicial. Quando as suspeitas vieram a público, a Corregedoria da Secretaria da Fazenda abriu um procedimento administrativo disciplinar para investigá-lo.
'Mensalinho'
Os irmãos Bruno D'Amico e Fernando D'Amico, empresários do setor de postos de combustíveis, foram presos preventivamente na investigação da Operação Barão de Itararé.
As prisões foram decretadas pela 2.ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores do Tribunal de Justiça de São Paulo para "garantia da ordem pública e econômica".
Segundo a PF, os empresários comercializavam combustíveis adulterados e pagavam propinas mensais de R$ 5 mil ao auditor fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo Ricardo Catunda do Nascimento Guedes para serem blindados em fiscalizações e processos administrativos. Os pagamentos teriam ocorrido pelo menos desde fevereiro de 2023 a abril de 2024.
Mensagens obtidas na investigação apontam que, em todo início de mês, Catunda entrava em contato com os empresários ou com intermediários deles propondo um "café" ou "almoço". Esse seria a senha para receber a "mesada", segundo a Polícia Federal.
Em julho de 2024, Catunda foi afastado das funções por ordem judicial. Quando as suspeitas vieram a público, a Corregedoria da Secretaria da Fazenda abriu um procedimento administrativo disciplinar para investigá-lo.
O auditor foi assessor da Corregedoria da Secretaria da Fazenda na gestão Marcus Vinícius Vannucchi, que é acusado de ter articulado um "complexo e calculado esquema criminoso" de cobrança de propinas para livrar empresas de fiscalizações e responde por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Vannucchi ficou conhecido quando, em 2019, a Polícia Civil e o Ministério Público encontraram US$ 180 mil e 1,3 mil euros em uma sala secreta na casa de sua ex-mulher.
Ricardo Catunda chegou a ser alvo de um inquérito civil, junto de Vannucchi, em 2019. A apuração se debruçou sobre possíveis irregularidades no arquivamento de procedimentos administrativos contra 17 agentes da Secretaria de Fazenda durante a gestão Vannucchi. A investigação foi arquivada em 2021 por falta de provas suficientes para "concluir pela ocorrência ou não de eventuais insuficiências investigatórias por parte dos corregedores".
COM A PALAVRA, A DEFESA
Até a publicação deste texto, a reportagem do Estadão buscou manifestação do auditor fiscal Ricardo Catunda do Nascimento Guedes e dos outros citados pela Polícia Federal, mas sem sucesso. O espaço segue aberto (rayssa.motta@estadao.com; fausto.macedo@estadao.com).